A violência infanto-juvenil é um fenômeno mundial e, para compreendê-la, é preciso contextualizá-la, ou seja, visualizando-a no contexto de uma sociedade específica, reconhecendo que toda violência é social, histórica e envolve determinantes econômicos, jurídicos, políticos e tem influências culturais.
Ao analisar a realidade estrutural da década de 70 e 80, Guerra e Azevedo (1998 p.23) referem que houve uma estagnação do crescimento econômico, crise conjuntural e agravamento da situação de pobreza estrutural. Acrescenta que a modernidade capitalista apresenta a nova marca da globalização dos negócios e das relações de poder. Cita que estamos frente a frente com um capitalismo transnacionalizado, movido por processos tecnológicos, avançados, informatizados, robotizado, altamente competitivo que vem trazendo em seu bojo a desindustrialização, a perda de mercados pelos países pobres, o desemprego massivo. Como conseqüência haverá maior concentração de riqueza, o aumento da pobreza e a exclusão de países da periferia na competividade própria a esta modernidade capitalista.
Exemplificando, faz a citação de Bird (1992) que aponta “... os 20% da população mais rica do mundo detêm 82,7% da renda produzida e os 20% mais pobres recebem 1,4% desta renda. Os 20% mais pobres da América Latina tem 4% da renda subcontinental e os 20% mais pobres do Brasil tem 2,1% da renda nacional.”
O Brasil é uma sociedade marcada pela dominação de classe e por profunda desigualdade na distribuição da riqueza social, possibilitando a violência estrutural que atinge grande parcela de crianças e adolescentes, conduzindo-os a uma vida indigna em termos de alimentação, habitação, escolarização, exploração de sua mão-de-obra, tortura e extermínio.
Segundo dados do Informe Epidemeológico do S.U.S., 1997, o Brasil é exemplo de desigualdade, de injustiça e exclusão pois mais de 2/3 da população não dispõe de renda suficiente para assegurar o acesso às condições de respeito aos direitos fundamentais, 32 milhões de brasileiros passam fome e sessenta, em cada mil crianças que nascem, morrem antes de completar um ano de vida.
Guerra e Azevedo (1997 p 232 - 233) cita que a infância vítima de violência estrutural compreende o contingente social de crianças e adolescentes “que se encontram em situação de risco pessoal e social, daqueles que se encontram em situações especialmente difíceis, ou, ainda, daqueles que por omissão ou transgressão da família, da sociedade e do Estado estejam sendo violados em seus direitos básicos”.(Fórum-D.C.A., 1989).
O dever de proteção por parte da família, da sociedade e do Estado já foi reconhecido anteriormente, a nível internacional, em 1966, pela aprovação do Pacto de Direitos Cívis e Políticos, pelas Nações Unidas, pois os Estados-Membros reconhecem que: “Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de raça, sexo, cor, idioma, religião, origem nacional ou social, posição econômica ou de nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado” (Artigo 24).
Apesar da violência contra a criança e o adolescente o ser um fenômeno que existe desde a antiguidade, sendo que no Brasil as raízes remontam ao passado colonial , somente a partir da década de 60, com os movimentos populares houve uma “re-descoberta” da violência doméstica, no entanto as denúncias sobre a situação de violência à criança se ampliaram a partir da década de 80, quando, a nível internacional, acentuou-se a preocupação com a infância que culmina com a convenção sobre os Direitos da Criança.
Durante o governo autoritário vigente entre os anos 60/80 não era interessante rever práticas de educação doméstica que traziam exatamente o autoritarismo como uma de suas marcas importantes para preparar as crianças à adaptação social, valorizando-se a disciplina, a obediência da criança, o seu respeito pelos adultos, reproduzindo as formas dominantes de autoridade numa determinada sociedade.
Buscando a superação do modelo político autoritário, iniciou-se no Brasil um processo de redemocratização e abertura política, onde foram elaborados trabalhos que desvelaram a violência doméstica e feitos questionamentos da Política nacional de bem-estar do Menor e do Código de Menores.
Iniciaram-se lutas e movimentos reivindicatórios para mudança constitucional e conquista dos direitos humanos, e, para a criança e adolescente, a principal conquista foi o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/90.
Devido ao comprometimento de profissionais e organizações em defesa dos direitos das crianças e adolescentes foram obtidas algumas conquistas, como a questão legal.
No que se refere ao aspecto jurídico, as leis criadas que abrangem a questão da violência infantil são:
- Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) - art.3 e 5;
- Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) - Princípio 9º
- Convenção sobre os Direitos da Criança (1990-Brasil) - arts.: 19.1 e 2, 9, 34, 35, 36 e 39;
- Constituição Federal (1988) - art.226, Parag.8º e 227 Parag.4º;
- Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) - arts.: 5, 13, 16, 17, 18, 56, 70, 87, 98, 101, 129, 130, 141, 206, 232, 233, 240, 241, 263, 245;
- lei 8072/90 - lei de crimes hediondos;
ECA
O Estatuto se estende a todas as crianças e adolescentes, sem descriminação, mudando a concepção, passando a considerá-los como sujeito de direitos, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, a requerer proteção e prioridade absoluta no nível das políticas sociais.
Ao discutir sobre as linhas de ação para efetivação do E.C.A., Ribeiro (1994, p - 22) aponta que as linhas previstas são: 1) Política Social Básica - aquelas que são direito de todos e dever do Estado, ex.: saúde; 2) Política de Assistência Social - são aquelas que destinam a oferecer condições mínimas de bem estar e dignidade à aqueles vulnerabilizados e, portanto, desassistidos em suas necessidades básicas, ex.: alimentação; 3) Política de Proteção Especial: é a ação social especializada dirigida à pessoas e grupos em circunstâncias especialmente difíceis, em presença de fatores de vulnerabilidade que os coloca em situação de risco pessoal e social; 4) Política de Garantia: àquela representada pela luta dos direitos no campo dos direitos.
Atendimento do assistente social
O Serviço Social a partir do recebimento de denúncias ou observação de situações de suspeita de violência, busca o aprofundamento dos dados através de contatos com os diversos profissionais envolvidos no atendimento hospitalar e com programas e instituições da comunidade e principalmente Prefeituras, Entidades Sociais, Postos de Saúde e Pastorais da Criança, Saúde), para configurar ou não caso de violência.
Também realiza entrevistas com familiares e pessoas envolvidas com situação de violência (parentes, vizinhos), assim como, visitas domiciliares, objetivando coleta de dados, estudo do caso, constatação ou não da violência e análise dos fatores contribuintes a esta questão que demandam atendimento pelo Serviço Social e/ou profissionais.
Diante da confirmação da violência são realizados contatos pela Assistente Social ou médico e/ou elaborados relatórios sociais e médicos que são encaminhados ao Conselho Tutelar, Juizado da Infância e Juventude e Promotoria Pública, da cidade de origem da criança ou adolescente atendido, para ciência e/ou providências pertinentes.
Em alguns casos, diante da ausência de dados concretos que configurem a violência, mas são levantados dúvidas ou situações problemáticas, não é feito encaminhamento formal de denúncia aos órgãos competentes, mas são tomadas providências pelo Assistente Social, buscando a proteção da criança.
Quando é feito o encaminhamento formal das situações de violência, o Assistente Social comunica aos familiares sobre este procedimento e a obrigatoriedade deste pelo hospital definida pela lei 8.069/90.
O atendimento pelo Serviço Social junto a criança, adolescente e ou família inclui: atendimento de apoio frente a violência sofrida; acompanhamentos sistemáticos através de discussões reflexivas sobre situação e relacionamentos sócio-familiares, concessão de benefícios, orientações sobre direitos e deveres, bem como condutas para prevenção de ocorrência ou reincidência de situações de violência, encaminhamento para programas e recursos institucionais comunitários para solicitar assistência e acompanhamento pós-alta (Prefeituras, Igrejas, Pastorais, Vicentinos, Creches, Postos de Saúde, FUNAI, etc); agendamento e encaminhamento para atendimento psicológico e/ou psiquiátrico em Hospitais, Clínicas ou Centros de Atendimento Psiquiátricos e/ou psico-social; encaminhamentos a grupos de auto-ajuda para dependentes químicos e familiares; orientações grupais para acompanhantes na Unidade Hospitalar, através de ações educativas e preventivas, acompanhamento pós-alta hospitalar através de contatos com familiares, órgãos competentes( Conselho Tutelar, Juizado) e Instituições Sociais, ou por meio de visita domiciliar.
Devido as limitações instituições, pela grande demanda do Serviço Social e o grande número de situações de violência atendida, ausência do atendimento interdisciplinar, torna-se difícil o atendimento mais aprofundado e global a todas as crianças e adolescentes vitimizados.
Tal dificuldade se agrava frente aos limites quanto ao trato a questão da violência pelos Conselhos Tutelares e instituições que prestam atendimento a esta parcela da população.
A partir da implantação do E.C.A. e com a formação dos Conselhos Tutelares, houve um avanço no que se refere ao atendimento da Questão da Violência infanto-juvenil, porém ainda existem vários limites que precisam ser superados.